O portal das Provas Digitais no Processo Penal
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) anulou, durante julgamento nessa terça-feira (6/2), provas obtidas a partir da preservação do conteúdo de contas na internet sem prévia autorização judicial.
Por maioria, os ministros atenderam ao pedido feito em habeas corpus apresentado pela defesa de Raquel Cardoso, ex-diretora comercial da empresa brasiliense Infosolo Informática, investigada por supostas irregularidades em contrato com o Departamento Estadual de Trânsito do Paraná (Detran-PR).
O Ministério Público do Paraná (MP-PR) havia pedido à Apple e ao Google a preservação dos dados e das Identificações Internacionais de Equipamentos Móveis (IMEIs, na sigla em inglês) coletados em contas vinculadas aos sócios da Infosolo. O congelamento atingiu informações cadastrais, histórico de localização e pesquisas, conteúdo de e-mails, mensagens, fotos e nomes de contatos, segundo o processo.
Em 2022, o agora ex-ministro do STF Ricardo Lewandowski anulou as provas por meio de uma decisão liminar. No julgamento dessa terça-feira (6/2), porém, o relator, ministro Gilmar Mendes, e o ministro Nunes Marques votaram no mesmo sentido.
Ao votar, Lewandowski enfatizou que o congelamento não se baseou em qualquer decisão judicial de quebra de sigilo, em desrespeito à Constituição Federal e ao Marco Civil da Internet.
O então ministro acrescentou que o Marco Civil da Internet é claro quanto à possibilidade de fornecimento de informações de acesso, mediante solicitação do MP ou de autoridades policiais e administrativas, mas é indispensável a autorização judicial prévia.
Gilmar destacou que o Marco Civil define que apenas os registros de conexão – que consistem em informações relativas a data, hora e tempo de uso, bem como endereço do Protocolo de Internet (IP, na sigla em inglês) – podem ser pedidos pelo Ministério Público ou pela polícia sem ordem judicial.
No entendimento do relator, o pedido do MP-PR ultrapassou os limites legais, porque o conteúdo de e-mails, mensagens, fotos, contatos e históricos de localização não fazem parte do conceito de registros de conexão. Os ministros André Mendonça e Edson Fachin votaram contra.
Advogado no caso, Daniel Gerber apontou ao STF a impossibilidade de o Ministério Público ou de delegados de polícia requererem às plataformas de internet o congelamento de dados de qualquer cidadão sem prévia autorização da Justiça.
“Foi uma vitória da cidadania, pois, a partir de agora, resta decidido que o MP e autoridades investigativas não podem congelar dados de qualquer cidadão sem, primeiro, requererem e obterem ordem judicial para tanto”, afirmou Daniel.
PF é contra
Por meio de nota técnica, a Polícia Federal (PF) se manifestou contrariamente ao entendimento do STF. A instituição ressaltou que a impossibilidade de preservação de conteúdo armazenado digitalmente e registros de conexão poderia beneficiar autores de atos antidemocráticos e extremistas que promovem ataques em escolas, por exemplo.
“Os criminosos usam plataformas digitais amplamente para espalhar medo e ódio, circunstâncias que tornam necessários diversos pedidos de preservação de dados armazenados nas inúmeras contas usadas pelos suspeitos. A volatilidade das informações no ciberespaço faz com que esse tipo de medida [de manutenção das informações] seja fundamental para garantir a viabilidade de chegar à autoria das ameaças antes que tudo seja apagado”, salienta o texto.
Ainda segundo a PF, caso prevaleça o entendimento do STF, “os envolvidos em gravíssimos assassinatos de crianças e na disseminação de pânico na internet estariam isentos de qualquer responsabilização criminal, diante da certa anulação das provas, contaminadas pelo simples pedido de preservação dos dados armazenados no ciberespaço”.
O advogado Daniel Gerber, porém, informou ao Supremo que o habeas corpus apresentado não é contra o pedido da preservação de dados, pois “apenas almeja que o pleito seja feito dentro dos limites da lei”.
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