Decisão de Lewandowski leva a anulação de operações e coloca outras em risco

Ministro aposentado do STF anulou caso após investigadores pedirem preservação de dados da nuvem sem autorização da Justiça

Uma decisão de dezembro do ano passado do então ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Ricardo Lewandowski, que se aposentou em abril, tem levado à anulação de operações nas quais investigadores solicitaram a empresas de tecnologia a preservação de dados em nuvem de aparelhos celulares.

O procedimento acontece da seguinte forma: ao suspeitar que um investigado está cometendo crime, o Ministério Público ou a polícia pede aos provedores que preservem o conteúdo da nuvem do celular ou notebook de uma pessoa em um determinado dia e hora —que pode incluir informações como registros de localização, histórico de pesquisa, fotos e conversas pelo WhatsApp.

Depois, com autorização judicial, conseguem acesso a essa nuvem por meio de quebra de sigilo. Para quem trabalha com investigação, isso é um meio de evitar a destruição de provas e tem sido feito inclusive em inquéritos conduzidos pelo ministro Alexandre de Moraes.

Para advogados criminalistas, porém, a tática é uma burla que impede o usuário de ter controle sobre suas informações e uma espécie de atalho para obter provas que poderiam não existir mais no caso de uma busca e apreensão.

O tema ainda deve ser alvo de novas discussões no Supremo. Em sessão do plenário virtual da Segunda Turma que debatia a decisão de Lewandowski, que foi iniciada em abril, o ministro André Mendonça pediu vista (mais tempo para análise) e ainda não apresentou seu voto sobre o caso.

Na decisão do ano passado, Lewandowski entendeu que provas colhidas pelo Ministério Público do Paraná em investigação sobre suspeitas de irregularidades no Detran violavam a Constituição e o Marco Civil da Internet.

"[O Ministério Público] retirou do seu legítimo proprietário o direito de dispor do conteúdo dos seus dados para quaisquer fins, sem que houvesse autorização judicial para tanto", disse Lewandowski.

Ele determina a anulação das provas, porque caso contrário estaria autorizando "houvesse a busca e apreensão prévia de conteúdos e seu congelamento, para posterior formalização da medida por ordem judicial, em prática vedada por qualquer standard que se extraia da ordem constitucional vigente".

Na PF e entre integrantes do Ministério Público, há o temor de que várias investigações importantes, inclusive sobre tráfico de drogas, crimes sexuais via internet e crimes de ódio, sejam anuladas caso o precedente do ministro aposentado seja mantido.

Uma das operações que chegou a ser anulada após a decisão de Lewandowski é a Sicários, da Polícia Federal, que prendeu o bicheiro Aílton Guimarães Borges, o Capitão Guimarães, patrono da escola de samba Vila Isabel.

Ele é suspeito de ser mandante de um assassinato ocorrido em 2020. Guimarães, que tem mais de 80 anos, foi colocado em domiciliar logo após a prisão, mas dois suspeitos da execução continuaram presos.

Antes de solicitar a quebra de sigilo de dados de um dos alvos da operação, o Ministério Público do Rio de Janeiro pediu à Apple a preservação de todo o conteúdo de dados armazenado em suas plataformas, sem uma prévia decisão judicial.

A partir dos dados do celular de um desses alvos, os investigadores identificaram a lista de possíveis integrantes da organização criminosa, todos policiais militares e civis.

No último dia 26, porém, os desembargadores da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio declararam que os elementos de prova eram imprestáveis, porque foram obtidos a partir de preservação de dados sem autorização judicial.

No pedido que levou à decisão da 5ª Câmara, Luiz Felipe Alves, advogado do policial cujos dados do celular originaram o inquérito, cita a decisão de Lewandowski.

Segundo ele, a decisão era de "caso idêntico ao presente", em que foi "decidido pela impossibilidade do Ministério Público requisitar a preservação do conteúdo de dados de investigados sem prévia autorização judicial, declarando, naquele caso concreto, nulos os elementos de prova angariados a partir do congelamento prévio, sem autorização judicial, bem como de todos os demais que dele decorreram".

O MP-RJ, no entanto, conseguiu uma suspensão liminar da decisão da 5ª Câmara e o caso deve ser decidido pelas cortes superiores.

Para o presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), o advogado Renato Vieira, a decisão de Lewandowski foi correta.

Ele cita, especialmente, um inciso da Constituição que afirma ser "assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais". "O processo penal não pode conviver com uma devassa sem controle", diz.

O instituto conduziu um evento sobre o tema. O advogado que se manifestou a favor da decisão do ministro, o criminalista Pedro Luís Camargo, disse que o pedido de congelamento dos dados feito pelo Ministério Público "atinge o direito fundamental à privacidade e o direito fundamental ao sigilo das comunicações".

Já o promotor de Justiça Fernando Terra discordou e disse que provedores como o Google podem simplesmente recusar o cumprimento do pedido do Ministério Público e que deve se pressupor que não houve má-fé na conduta dos investigadores.

Procurado, Lewandowski afirmou que os "fundamentos jurídicos encontram-se no texto da decisão".

O advogado do caso que levou à decisão de Lewandowski, Daniel Gerber, diz que o Ministério Público e a Polícia Federal "se recusam a cumprir um simples mandamento legal".

"Quando as consequências chegam sobre a ilegalidade que cometem, se recusam a aceitá-las como ilegais e tentam constranger o Supremo Tribunal Federal a ratificarem tal comportamento", afirma ele.



Comentários


Nenhum Comentário publicado ainda.



Envie seu Comentário

Utilize os campos abaixo para comentar a notícia acima (publicação sujeita à análise dos administradores):



Notícias e Matérias que Podem lhe Interessar:

➤ Cadeia de custódia das provas digitais vindas das nuvens, à luz do CPP➤ STF anula provas obtidas sem autorização judicial contra empresa do DF➤ Só o print não serve? Como tornar capturas de telas uma prova na Justiça