Desafios diante da flexibilização da perícia criminal

A premissa fundamental da perícia oficial de natureza criminal está em buscar a verdade dos fatos, independente das consequências, sem compromisso prévio em condenar ou absolver quem quer que seja. Por força de lei, os peritos criminais oficiais trabalham com isenção, imparcialidade e distância equitativa das partes, orientados pela ciência, assegurando assim o direito fundamental à prova. Esta é a pedra angular de um julgamento justo, da ampla defesa e do contraditório.

É crucial, no entanto, que as autoridades brasileiras estejam em alerta para os perigos associados à flexibilização da prova pericial, um problema que pode resultar em graves prejuízos ao sistema penal do país, desafiando os princípios do Estado Democrático de Direito.

O Código de Processo Penal (CPP) é claro ao estipular que a apuração dos crimes que deixam vestígios requer obrigatoriamente o exame pericial, que não pode ser substituído pela confissão do acusado ou qualquer outra medida que não envolva o laudo elaborado especificamente pelos peritos oficiais. Ou seja: qualquer delação também não é suficiente, sozinha, para embasar qualquer conclusão definitiva, sem que sejam feitos os devidos exames científicos para fins do processo criminal.

Essa obrigatoriedade é justificada pela necessidade de assegurar um julgamento eficiente, reduzindo ao máximo possível a chance de haver condenações ou absolvições injustas. A prova, de acordo com o ordenamento criminal brasileiro, deve se basear em fatos e métodos científicos, isentos de convicções pessoais. A prova pericial não deve se vincular a linhas investigativas preconcebidas, nem atender aos interesses da acusação, da defesa, da esquerda, da direita, do centro ou de qualquer autoridade, não importa qual.

Para alcançar esse padrão, é essencial que os peritos criminais, além de possuírem competência científica, detenham competência legal e garantias, incluindo autonomia técnica, científica e funcional, sujeição à disciplina judiciária, e critérios de suspeição equivalentes aos aplicados aos juízes, bem como a possibilidade de sanções penais em caso de falsa perícia – critérios aplicáveis exclusivamente aos peritos oficiais.

Temos no Brasil uma legislação avançada e capaz de proporcionar essa autonomia e assegurar a cadeia de custódia. Isso é resultado da intensa mobilização e preocupação de servidores comprometidos com o Estado e com a sociedade, no âmbito federal e dos Estados. É preciso aperfeiçoar e avançar ainda mais nessa legislação, eliminando eventuais ambiguidades e omissões que ainda deixam espaço para retrocessos, que sempre batem à porta, mas que têm sido evitados também graças ao empenho dos próprios peritos oficiais de natureza criminal.

A Lei nº 13964/19, por exemplo, confiou à perícia oficial a crucial responsabilidade de ser guardiã da cadeia de custódia, assegurando a inviolabilidade dos vestígios que formarão o conteúdo probatório. Infelizmente, todas essas conquistas pós-redemocratização do Brasil estão em risco. Argumentos diversos, que buscam priorizar a confirmação da linha investigativa, ameaçam alicerces sólidos. Tentativas de reforma direcionadas no Código de Processo Penal, facilitação da usurpação das funções dos peritos oficiais, gestões administrativas desestimulando a atuação pericial e a escassez de concursos são alguns exemplos desse cenário preocupante.

Urge que as autoridades competentes, especialmente o Ministério da Justiça e Segurança Pública, também rechacem a flexibilização da prova pericial, um movimento que, se concretizado, colocaria em risco a efetividade da Justiça e o próprio Estado Democrático de Direito. A análise científica dos vestígios por profissionais dotados da necessária competência legal e técnica se torna uma das ferramentas mais confiáveis e imparciais na busca pela verdade, diferentemente das meras opiniões, convicções pessoais e testemunhos (frequentemente suscetíveis a memórias falhas), pressões diversas ou intenções ocultas.



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